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segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

o tempo

Há muito tempo que vivo em Buenos Aires. Muito, mas não demasiado. O suficiente para que a vida que deixei para trás ameace dissolver-se finalmente na história e cair de vez no esquecimento. Hoje vejo claramente que, da mesma maneira que um curso de água vai polindo a pedra e abrindo novos sulcos por onde passar, também o tempo nos molda a memória, conforme o serpentear dos seus caprichos insondáveis. De facto, não só temos tendência para nos esquecermos mais de umas coisas do que de outras, segundo um critério pouco claro mas quase sempre surpreendente, como para nos apercebermos que o tempo passa por nós a diferentes velocidades.
No espaço de um ano tanto pode passar muito tempo, como tempo nenhum. A dada altura podemos estar tão concentrados no passado, que o decurso de doze meses não nos leve a lado algum. Quando isso acontece, ainda que o tempo passe, continuamos no ponto de partida, iguais ao que éramos no dia em que começámos. E então, talvez possamos dizer que parámos no tempo ou que para nós ele não chegou a passar. Mas muitas vezes é também nas alturas em que estamos presos aos nossos tempos amargos, que ficamos com a sensação de que o tempo leva afinal, uma eternidade a passar.
Da mesma maneira, depois de um ano cheio de acontecimentos, fácil é de constatar, no momento de olhar para trás, que todo aquele tempo passou a correr. Mas mesmo então, acabamos muitas vezes por ser obrigados a reconhecer, que de tantas voltas que a vida dá, durante aquele período crescemos, envelhecemos ou que a nossa vida de facto mudou. Porque uma grande mudança, ainda que ocorrida num curto espaço de tempo, pode levar a que nos tornemos irreconhecíveis, até para nós mesmos.
Chega a ser engraçado como o tempo sem relógios tem destas coisas, de ser e de não ser ao mesmo tempo, consoante ele seja medido pelo que a sua passagem nos provoca, ou pela noção que temos dele. Dou um exemplo claro, da minha experiência pessoal: há cerca de vinte anos mudei de cidade, de língua e de hemisfério, para um fuso horário totalmente diferente. E apesar de nem ter sentido o passar dos anos, todo o tempo que aqui passei foi feito de uma tal correria de pessoas, de lugares e de costumes, numa tamanha enxurrada de paixões e de abandonos, de amizades e de ausências, de alegrias e de saudades, que muito sinceramente, pelo que tudo isto aqui me fez, mais me parece terem passado afinal quarenta.

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