Quando não estava no La
Biela ou a ajudar o meu tio nos seus afazeres diários, seguia a conhecer a
noite portenha com os muitos amigos que aqui e ali fui fazendo. Não sei como é
que está Lisboa hoje em dia, mas na noite de Buenos Aires existem casas para
todos os vícios.
De inicio o que fez com
que me apaixonasse por esta cidade foi o tango, que comecei a ouvir um pouco
por toda a cidade e que rapidamente aprendi a acompanhar com o corpo. Masculina
e triste, cheia de drama, sexualidade e paixão e onde a mulher manda com a sua
tristeza indomada. Tudo embrulhado numa dança em que os corpos ora lutam ora se
entrelaçam num abraço musical. Tornei-me assíduo frequentador das melhores tanguerias
ou milongueras da cidade, sobretudo no bairro de San Telmo. Aos poucos e
poucos o Tango transformou-se numa adição a que durante alguns anos não
resisti. E que acabou por me transformar numa espécie de filho adotivo desta
cidade.
Mas com o tempo, passei
a frequentar todo o tipo de lugares, pois comecei a ser convidado para as
diferentes festas que se faziam um pouco por toda a cidade, sobretudo nos
bairros de Palermo, Recoleta Montserrat e San Telmo. Sempre tive facilidade em
dar-me com todo o tipo de gente e acho que sobretudo o que eu gostava era de
observar as pessoas, de as conhecer e de as testar. De tentar perceber os seus
sinais, as suas contradições e os seus segredos. Sempre me fascinaram aquelas
almas penadas que ficavam a agitar os seus corpos, até de madrugada. Apesar
desse fascínio também eu acabei por me tornar, sem que o percebesse, numa
destes personagens. Mas por mais que me deixasse envolver, o crepúsculo da
madrugada nunca deixou de me despertar do torpor moral da noite. Como se o
contacto com a luz de um novo dia, me recuperasse instantaneamente das ilusões
da noite, fazendo-me aperceber dos seus enganos.
A noite é o lugar
preferido daqueles que têm pressa para conhecer o seu destino. O preço para
entrar começa por ser apenas o tempo. O tempo que nela passamos e o tempo que
nela perdemos. Passado um tempo, é com o corpo que pagamos a nossa permanência
naquele lugar. Mas se permanecermos tempo suficiente, antes mesmo que aquele se
esgote, não raras vezes acabamos por pagar a estadia com a própria alma. Porque
de facto, se há dias para todos os gostos, as noites, há-as para todos os
vícios. E é preciso que estejamos preparados, se lhes quisermos sobreviver
inteiros.
Que saudades me despertou esta prosa. O La Biela...
ResponderEliminarBela prosa.