(Estudo
sociológico)
"chivalry is pride
aspiring to beauty,
and formalized pride gives rise
to a conception of honor,
which is the pole of noble life."
– Johan Huizinga
I
– Considerações iniciais.
Há algum tempo alguém me disse que A. era “um Senhor”. Apesar das dúvidas com que fiquei – e como sou um tipo discreto – respondi:
Há algum tempo alguém me disse que A. era “um Senhor”. Apesar das dúvidas com que fiquei – e como sou um tipo discreto – respondi:
–
Ah sim? Sim senhor… – e calei-me.
Mas
fui para casa intrigado a pensar no que é que aquilo quereria dizer. Certamente
que não estavam a falar “d'O Senhor”. Estavam a falar do senhor A., como
“um Senhor”. Como sou teimoso e não percebi à primeira, decidi levar a
cabo um estudo sociológico que deu origem a um paper académico, de que este
texto é a versão reduzida para leigos e outros tipos de ignorantes.
Tentei
não cair inicialmente em rigores que prejudicariam o âmbito deste estudo que se
quer da maior utilidade para todos, nem ser demasiadamente vago para não
banalizar o âmbito do trabalho de investigação. Afinal de contas, um Senhor é
um Senhor. E foi dentro dessas baias que, com a ajuda de uma equipe de vários
assistentes, conduzi um trabalho de campo que me levou a perseguir alguns
reconhecidos Senhores da nossa praça, 24 sobre 24 horas, 7 dias por semana, durante vários
meses, recolhendo todo o tipo de amostras e imagens de comportamentos no seu
habitat natural, e promovendo as mais variadas análises laboratoriais.
O objetivo era claro: obter uma visão mais próxima e clarividente sobre esse bicho da selva
urbana, e tentar apurar e estruturar uma tese científica que permitisse
resolver e sistematizar adequadamente dois grandes problemas que até hoje não
foram resolvidos pela ciência: o que é um Senhor e como
é que se identifica um Senhor.
Logo no
início dos trabalhos observou-se que um traço comum dos Senhores
utilizados como cobaias deste estudo era qualquer coisa de aparentemente
essencial para todos eles, e que os distinguia dos demais animais observados no
habitat em que operam: o terem uma reputação. A reputação é uma
coisa invisível que está à volta dos Senhores e que permanece quando eles se
afastam, ainda mais do que o seu perfume. Enquanto a tiverem, a reputação é
aquilo que confere aos Senhores o seu estatuto próprio. No
entanto, também se verificou da parte destes um certo desprendimento relativamente
à noção de reputação, porque na realidade e segundo nos foi relatado, um Senhor
não precisa que ninguém lhe diga quem é.
Para
uma mais elementar percepção por parte dos não académicos sobre o que significa
ser um Senhor, refira-se apenas que este estatuto acaba por depender
da capacidade de cada um para seguir religiosamente um conjunto de regras
essenciais, que ao longo da História foram merecendo diversas designações, tratamentos e aproveitamentos,entre os quais se destacam a título meramente exemplificativo,
o Código de Cavalaria, a Convenção de Varsóvia, o Manual de Escutismo para Rapazes e
o Manual de Pesca à Linha.
II
– Traços comuns a todos os Senhores.
A amostra de Senhores utilizada neste estudo levou de facto ao isolamento de um conjunto de traços comuns a todos os sujeitos objeto de estudo.
A amostra de Senhores utilizada neste estudo levou de facto ao isolamento de um conjunto de traços comuns a todos os sujeitos objeto de estudo.
Vejamos:
- Verdade e consequência: Antes de mais, um Senhor fala sempre a verdade. Aquilo que o distingue das Senhoras e das demais meninas (incluindo aqui os homens que não são Senhores) é precisamente o facto de fazerem sempre questão de que os seus sims signifiquem “sim” e de que os seus nãos signifiquem “não”.
- Educação e brio pessoal: Um Senhor veste-se sempre impecavelmente e de acordo com cada situação e se por acaso não sabe, informa-se sobre o assunto. Os Senhores respeitam os mais velhos, sabem estar à mesa e levantam-se sempre que uma Senhora se aproxima. Sabem abrir a porta a uma Senhora e deixá-la passar à frente com a plena noção sobre para onde vai previamente indicado por um olhar firme e cortês. Um Senhor é pontual mesmo quando sabe que os demais vêm de muito longe ou têm o hábito de chegar atrasados. Nunca fala de dinheiro em público e sobretudo nunca é apanhado a fazer contas de cabeça. Se não for possível memorizar tudo, escreve num papel e guarda no bolso para se lembrar mais tarde.
- Informação e gadjets: Um Senhor mantém-se actualizado. Lê a Time Out com a mesma atenção com que lê o Diário Económico e usa as novas tecnologias. E apesar de ter conhecimento de causa sobre todas as potencialidades das novas ferramentas de informação, prefere sempre comunicar em pessoa. Numa conversa, quanto menos se vir o seu telefone, maiores probabilidades temos de estarmos perante um Senhor. Ninguém gosta de conviver com alguém que respeita mais um pedaço de tecnologia (mesmo que seja o último ipad ou iphone) do que o extraordinário privilégio temporário da nossa companhia.
- Relações e relações com as relações: Um Senhor (i) nunca promove directa ou indirectamente o fim de relações amorosas em curso (mesmo que tenha a convicção que as mesmas se aproximam sozinhas do fim); (ii) nunca se envolve com as ex-namoradas dos amigos, (iii) nunca se envolve com as amigas das ex-namoradas, (iv) não tem excessivas intimidades com as namoradas dos amigos e (v) sai sempre do caminho sempre que reparar que, antes de si, um ou mais dos seus amigos entretanto iniciaram manobras de aproximação à pista.
- Amor: No amor, um Senhor procura sempre usar da máxima discrição e modéstia e come sempre de boca fechada. No dar e receber das virtudes do amor, um Senhor procura sempre ouvir os desejos da sua amada e em nunca cair em excessos na sua satisfação.
- Manter a calma: Um Senhor nunca perde a calma ou recorre à violência e sabe usar da mais rigorosa higiene oral e verbal. Pode ser provocador ou sarcástico dentro dos limites do razoável, naturalmente impostos por uma sensibilidade educada. Um Senhor nunca leva nada a peito porque sabe que até os insultos são sempre o sinal da existência de um lamentável distúrbio da parte de quem os profere e que confirma o facto de não se tratarem de uns Senhores. Um Senhor olha sempre nos olhos, na dúvida sorri e nunca se ri demasiado alto, a menos que toda a plateia resolva despregar as bandeiras primeiro.
- Decisão, simplicidade e desprendimento: Um Senhor consegue fazer tudo com intenção e sem cair em precipitações. Não tem medo de tomar decisões mesmo quando não está inteiramente convencido, nem perde demasiado tempo a procurar certezas, pois um Senhor sabe que muitas vezes estas são tão difíceis de alcançar como a própria verdade. E é por isso que um Senhor se concentra apenas em deixar as coisas em melhor estado do que as encontrou. Um Senhor sabe sempre a altura certa de terminar uma conversa ou de deixar a sala, e não precisa de sair de todas as festas acompanhado.
- Estimar os amigos: Um Senhor sabe que os amigos são sempre o que
fica, dá-lhes valor e tem sempre disponibilidade para os ouvir e receber.
Um Senhor sabe que a maior prova de amizade para com os seus amigos é
saber ouvir e falar-lhes com verdade, mesmo naquelas alturas em que a
verdade magoa. Não tolera agressões aos mesmos e sabe defendê-los mesmo que
para tanto tenha que abandonar a conversa, alterar os seus planos de
fim-de-semana ou arriscar a própria vida. As únicas situações em que um
Senhor atira primeiro e pergunta depois, são aquelas em que um seu amigo
estiver em perigo.
III
– Conclusões.
Daqui se conclui que ser um Senhor não será apenas a consequência de ser-se civilizado, mas sim e principalmente o resultado de um firme propósito em desenvolver ou manter intacta uma generosidade interior, abertura e respeito relativamente aos direitos (incluindo o direito aos defeitos), desejos e aspirações do próximo, mesmo quando o próximo estiver ausente. Ser um Senhor parece portanto ser a qualidade que consiste no cosmopolitanismo elegante de quem sabe desfrutar e suportar com graça e respeito a companhia dos que o rodeiam.
Daqui se conclui que ser um Senhor não será apenas a consequência de ser-se civilizado, mas sim e principalmente o resultado de um firme propósito em desenvolver ou manter intacta uma generosidade interior, abertura e respeito relativamente aos direitos (incluindo o direito aos defeitos), desejos e aspirações do próximo, mesmo quando o próximo estiver ausente. Ser um Senhor parece portanto ser a qualidade que consiste no cosmopolitanismo elegante de quem sabe desfrutar e suportar com graça e respeito a companhia dos que o rodeiam.
De
facto, o complexo mundo em que hoje vivemos apresenta para os Senhores novos e
cada vez maiores desafios que se desenvolvem a uma velocidade estonteante e
ainda em aceleração. Estes desafios são desde logo reflexo do acesso cada vez
mais facilitado a meios de comunicação que as novas tecnologias nos
proporcionam, tais como, além do telefone, a SMS, Twitter, Facebook, bbm
Whatsapp, e-mail, Google Buzz, Messenger, ICQ, apenas para nomear alguns. E é
com o surgimento destas e de outras soluções tecnológicas, que estes novos
desafios frequentemente se desdobram por sua vez noutros, num fenómeno que é
abordado pela doutrina anglo-saxónica por roll over. O fenómeno roll
over designa-se em português como o “baralha e volta a dar” que
basicamente redunda num estado de relativização generalizada dos princípios
morais e do cavalheirismo que obviamente, como se viu no estudo por nós levado
a cabo, não deixa de repugnar os verdadeiros Senhores.
Pelo
que pudemos testemunhar, aparentemente, ser um Senhor dá muito trabalho. Isto
porque apesar da verificação de todos estes requisitos pormenorizadamente
destacados e desenvolvidos no nosso estudo, os Senhores ainda são – acredite-se
ou não – seres humanos, com necessidades e fragilidades humanas e estão por
essa mesma razão, sujeitos a todas as inconveniências daí decorrentes. Daí que
além de seguir estas regras seja de toda a conveniência que quem pretenda
tornar-se num Senhor se faça rodear de Senhores, uma vez que isto favorece
os mais variados fenómenos de simbiose, osmose e associação.
Todos os Senhores têm dentro de si um
humanista, porque apesar de poderem não ser uns especialistas em História ou
nas Artes, têm um genuíno interesse pelo comportamento e pela natureza humana.
Por isso, um verdadeiro Senhor olha nos olhos e ouve o que os outros têm para
dizer. E quando pergunta a alguém o que faz na vida não quer na realidade saber
como põem comida na mesa, mas sim o que é que os outros fazem com a sua vida, o
que é que perseguem e para onde vão. Porque para que um Senhor se possa cumprir
como tal, precisa de descobrir o que realmente interessa: o que está por detrás
de cada um.
JAO
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