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O meu escritório fica no oitavo andar do Palácio Barolo, um dos prédios mais altos de Buenos Aires. Aqui, cada coluna, arcada ou capitel está decorada com inscrições, gárgulas e símbolos da Divina Comédia, de Dante. Neste arranha-céus gótico, até os diferentes andares representam os níveis da vida depois da morte, descritos nos cantos daquela obra. Os andares de baixo representam o inferno, os do meio, o purgatório e os de cima, o céu. Tudo coroado por um farol cuja luz se vê do Uruguai. Faz assim todo o sentido que eu tenha passado estes últimos dias aqui num dos andares do Purgatório, transitando entre a secretária e o antigo sofá forrado a couro escuro em capitonê, que fica mesmo ao fundo do meu gabinete. Lendo avidamente nos meus cadernos, os muitos parágrafos escritos por mim mesmo, há tantos anos atrás. Pelo menos há anos suficientes para que, em quase todas as páginas fosse tropeçar em mais um detalhe esquecido, que tinha de ser cuidadosamente contornado por me levar a pensar se de facto tinha mesmo sido eu a viver aquilo tudo. Penso até que, não fosse a minha caligrafia fatigada, característica de quem escreve à velocidade do pensamento, e ainda estaria a duvidar se tudo o que ali via escrito era meu.
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