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terça-feira, 31 de maio de 2011

A Ordem dos Sonhadores

A Ordem dos Sonhadores não tem sede, não tem bens, fundos, títulos, créditos ou dívidas e é composta por todos os homens e mulheres livres que insistem em procurar-se no amor humano, não por si próprios, mas pela firme certeza de que o projecto humano é para ser cumprido aqui na terra, já nesta vida e que aquilo que aqui não for vivido, não o será depois.


Listen, I’m trying to figure out
Everything at once…
We’re half awake
in a fake empire.

The National - Fake Empire

I — Todos sabemos e é a ciência que nos diz, que o sonho é qualquer coisa de inerente à condição humana. Porque é a solução que a natureza encontrou para que se dê o processamento de um sem número de informações, adiado por força dos raciocínios impostos pelos desafios lógicos das horas em que estamos acordados. Mas o sonho é muito mais do que isso. Além deste fenómeno biológico regulador e reparador, o sonho é também uma doença crónica que contamina de uma maneira generalizada toda a espécie humana.

O contágio começou quando o primeiro ser vivo se tornou Homem e alcançou o entendimento necessário a ultrapassar a barreira das limitações físicas de tempo e espaço. Isto foi conseguido primeiro, descobrindo-se novas formas de apreender o que o rodeava, mediante processos de relação e associação de ideias, de que o método científico é a expressão mais acabada. À medida em que ultrapassámos aquelas barreiras à apreensão de tudo o que nos é exterior, próprias dos seres vivos por natureza finitos dependentes e frágeis, tomámos irreversivelmente consciência da centelha de divindade que afinal possuímos e transportamos ao longo da vida. É uma qualidade que permite elevar-nos apreender o que está para além do que se nos apresentam os sentidos, e que definitivamente nos torna maiores que nós mesmos.

Assim, ao lado daquele significado biológico e insusceptível de ser renunciado, o sonho tem também um sentido espiritual e renunciável, que é a marca do sagrado no humano, e a prova acabada de que fomos afinal feitos para ser visionários, descobridores e exploradores de novos mundos, dentro de nós, neste mundo ou em outras galáxias. É uma força sumamente humana que apesar de não nos resgatar completamente da condição terrena em que nascemos, vivemos e morremos, de certa forma nos eleva à condição divina.

II — Com o avolumar da tribo Humana e a alteração de hábitos a que se assistiu depois de as tribos nómadas se começaram a fixar em colectividades dedicadas a culturas sedentárias como a agricultura e a pastorícia, surgiram também várias invenções e descobertas que favoreceram o crescimento sustentado da colectividade de homens livres e assim surgiram as noções de Religião, de Sociedade, e de Estado que a todo o custo visavam promover a paz social.

No entanto, enquanto que a maioria apenas sonhava adormecida e apelidava a sua vida de normalidade, outros homens foram-se insurgindo contra algumas das regras impostas pelas instituições colectivas e pelos novos ritos tribais de domesticação humana. Para estes, o sonho representava uma expressão de liberdade, a capacidade humana para ver o que os olhos não conseguem alcançar e de vislumbrar o que não aconteceu, independentemente do que está para vir. Consideravam que o sonho é o combustível das aspirações humanas e o motor das nossas conquistas, a justificação dos nossos sucessos e a medida da nossa potencialidade. Mas que ao mesmo tempo o sonho podia ser a principal fonte de expectativas goradas e assim, a razão de ser das nossas desilusões. E nisto, culpavam a classe dominante de promover o medo e de levar todos os cidadãos a renunciar à sua capacidade de sonhar.

Esta nova corrente progressista, não se conformava com aquilo que lhes era dado ver pela sociedade, insistiam em sonhar por uma vida melhor, e acreditavam que era desses sonhos que seria feito o futuro que os aguardava.

A repressão não se fez esperar e foi terrível. Os líderes da altura sabiam bem os perigos que escondiam as novas ideias e deram ordens para que esta insurreição ideológica fosse sumariamente liquidada. E de facto assim foi: a corrente de pensamento dos sonhadores foi exterminada e os seus líderes executados sem direito a defesa nem a um tribunal imparcial como a Lei obrigava.

III — Acontece que os membros desta corrente que conseguiram escapar, formaram uma sociedade secreta que perdurou no tempo até aos dias de hoje. Assim passaram de geração em geração testemunho da suprema liberdade dos seus membros fundadores, mortos às mãos dos primeiros reis: é a Ordem dos Sonhadores. Esta Ordem protege os ensinamentos daqueles que primeiramente aprenderam a sonhar acordados apesar das durezas deste mundo e não se conformam com a realidade que colectivamente nos pretendem impingir. A eles pouco interessavam as regras dos outros, pelo menos as que não tivessem sido verificadas pelo crivo da sua própria consciência, pois eram alheios às razões e às motivações da sua instituição.

Para os membros desta Ordem, o mundo é feito de uma matriz interdependente de afectos que cada homem deve construir por si, de uma forma generosa e sustentada, retirando do centro de toda a bondade Deus e o seu prémio supremo: o céu, e colocando em seu lugar unicamente o Homem, numa cultura de responsabilidade dos afectos. E da mesma forma que o sonho é o motor da mudança, o motor dos afectos é o amor, irradiado por Deus: aquele que a todos vê e ama exclusivamente por aquilo que cada um é. O sonho pode ser uma propriedade divina que nos eleva a um patamar superior da nossa existência e nos permite ver o futuro, mas só o amor nos torna verdadeiramente divinos e consegue de facto, ainda que por breves instantes, resgatar-nos da condição humana.

A Ordem dos Sonhadores conhece estas verdades e é por isso que buscam o amor incondicional em todas as suas formas. Aquele que nos torna insensíveis à nossa própria humanidade, que nos torna maiores que nós próprios, e nos dá a capacidade de fazer escolhas contrárias aos instintos mais profundos, básicos e essenciais com que a mãe natureza nos programou.

A fé destes homens e mulheres é esta procura de pôr em prática o que pregaram Cristo, Madre Teresa e Vinícius: “ponha um pouco de amor na sua vida, como no seu samba”. Mas um amor pelo próximo que nos põe a carburar à conta do amor de Deus que trazemos cá dentro, obtido emprestado para colocar em circulação na economia paralela do amor. Nesse mercado negro onde não há tributos, descontos ou recibos. E onde não se pergunta de onde vem ou para onde vai essa amorosa matéria-prima, porque ela se esgota e se consome em si mesma.

Todos os dias os membros da Ordem dos Sonhadores comprovam e identificam novas formas com que o mundo nos pretende impor as suas regras, contra o futuro a que fomos chamados. Daí que muitos dos seus membros sejam hoje em dia homens e mulheres que em determinada altura das suas vidas, se viram forçados a abandonar as suas próprias tribos.

E hoje pregam ou praticam o amor em todas as suas formas, e transmitem a mensagem de que, da mesma maneira em que tantos procuram Cristo mas depois não O sabem reconhecer naquele que está sentado ao seu lado, a resposta para encontrarmos o amor nas nossas vidas está mesmo aí, à nossa frente, cravada no nosso peito onde sempre esteve. E mostram-nos que o buscarmos incessantemente por todos os recantos do mundo, no dinheiro, nas coisas e nos outros, em tontas buscas de segurança junto daqueles que nos estão próximos e que tantas vezes estão ainda mais perdidos do que nós.

A Ordem dos Sonhadores não tem sede, não tem bens, fundos, títulos, créditos ou dívidas e é composta por todos os homens e mulheres livres que insistem em procurar-se no amor humano, não por si próprios, mas pela firme certeza de que o grande projecto humano é para ser cumprido aqui na terra, já nesta vida, e que aquilo que aqui não for vivido, não o será depois.

JAO

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