no mínimo, a prova da existência de Deus)
Há pouco tempo vi alguém confrontar-se com o que lhe pareceu um desafio assustador: desembrulhar um presente. Mal o segurou nas mãos exclamou com um sorriso amarelado ― Um envelope? Que pequeno! ― tentando varrer para debaixo do tapete a desilusão causada pelo tamanho do embrulho. O presente era afinal, cupons para abraços grátis ― quem dera a muita gente!
Muitas vezes parecemo-nos com este palerma e não percebemos que a própria vida é um presente que se desembrulha lentamente, à frente dos nossos olhos. E que a maior parte das vezes o desafio é continuarmos indiferentes à passagem do tempo, e assistir a esse desembrulhar, como num Natal em câmara lenta, com os mesmíssimos olhos de criança. Apreciando tudo sem tirar os olhos ao remover do embrulho, na certeza de que o melhor que está para vir ainda não chegou, e que o bom que passou nos dá substância, lenha para a fogueira, serve de recheio para o sorriso e enche a nossa sombra de presença, pintando-a de novos tons.
E presentear assim nunca foi tão bom para quem dá e ama e se faz entregando pedaços de si mesmo que se desprendem muitas vezes num estertor de morte mas que nos enchem o coração. Nada nos transporta para tão perto de experimentarmos já aqui na terra, um cheirinho do céu prometido quanto cultivar esta simplicidade infantil de quem pratica o receber de braços estendidos que nos faz perceber que o céu é de facto qualquer coisa que se encontra afinal, à distância de um braço. Ao alcance de um abraço.
Ao contrário do que possa parecer, passar-se deste conceito a actos concretos não nos é tão natural quanto pensamos. Trata-se de um conceito abstracto e estranho, que por não ser humano é tantas vezes rejeitado pelo nosso corpo moral, e tem tantas versões quantas as pessoas que já andaram pelo mundo. É de facto, qualquer coisa que nos eleva da condição humana. Fomos feitos para o sentir, mas fabricá-lo, não é de nós.
Talvez seja por isso que se acredita em Deus.
JAO
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