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terça-feira, 31 de maio de 2011

O Natal em Câmara Lenta

(ou de como o leitor encontrará nestas linhas um breve manual para desembrulho de presentes, ou 
no mínimo, a prova da existência de Deus)

Há pouco tempo vi alguém confrontar-se com o que lhe pareceu um desafio assustador: desembrulhar um presente. Mal o segurou nas mãos exclamou com um sorriso amarelado ― Um envelope? Que pequeno! ― tentando varrer para debaixo do tapete a desilusão causada pelo tamanho do embrulho. O presente era afinal, cupons para abraços grátis ― quem dera a muita gente!
Muitas vezes parecemo-nos com este palerma e não percebemos que a própria vida é um presente que se desembrulha lentamente, à frente dos nossos olhos. E que a maior parte das vezes o desafio é continuarmos indiferentes à passagem do tempo, e assistir a esse desembrulhar, como num Natal em câmara lenta, com os mesmíssimos olhos de criança. Apreciando tudo sem tirar os olhos ao remover do embrulho, na certeza de que o melhor que está para vir ainda não chegou, e que o bom que passou nos dá substância, lenha para a fogueira, serve de recheio para o sorriso e enche a nossa sombra de presença, pintando-a de novos tons.


De facto, se há coisa que as crianças fazem melhor do que nós é desembrulhar presentes. Estão naquele lugar interior, certo e à hora exacta para desembrulhar a vida de uma maneira inteiramente limpa de si mesmos, em completa consonância com o que sentem e em sintonia com o seu tempo e lugar no Universo. Sem reservas ou desilusão, são a sua própria felicidade, a felicidade do presente que é recebido em estado de graça, e a felicidade de quem o dá, que assim tem o privilégio de assistir à materialização do amor que se passa por dentro.

E presentear assim nunca foi tão bom para quem dá e ama e se faz entregando pedaços de si mesmo que se desprendem muitas vezes num estertor de morte mas que nos enchem o coração. Nada nos transporta para tão perto de experimentarmos já aqui na terra, um cheirinho do céu prometido quanto cultivar esta simplicidade infantil de quem pratica o receber de braços estendidos que nos faz perceber que o céu é de facto qualquer coisa que se encontra afinal, à distância de um braço. Ao alcance de um abraço.

O amor é de facto lindo mas a maior parte das vezes não passa de uma palavra vazia que acenamos uns aos outros de ânimo leve e com consequências desastrosas. Uma palavra que nos apazigua e nos enche de ilusão, mas sem um significado real por não ser realmente vivida. Da mesma maneira que a felicidade só existe quando é partilhada, também o amor só é real quando posto em prática.

Ao contrário do que possa parecer, passar-se deste conceito a actos concretos não nos é tão natural quanto pensamos. Trata-se de um conceito abstracto e estranho, que por não ser humano é tantas vezes rejeitado pelo nosso corpo moral, e tem tantas versões quantas as pessoas que já andaram pelo mundo. É de facto, qualquer coisa que nos eleva da condição humana. Fomos feitos para o sentir, mas fabricá-lo, não é de nós.

Talvez seja por isso que se acredita em Deus.

JAO

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