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terça-feira, 31 de maio de 2011

Elogio à Memória

 “Memory is a way of holding on to the things you love, the things you are, the things you never want to lose.” 
― Kevin Arnold 


I ― Acho as plantas uns seres muito interessantes. Têm uma coisa que muitas vezes não reparamos:  uma capacidade impressionante de se adaptarem ao meio ambiente, às condições do clima, ao tipo de solo, à quantidade de luz que recebem, etc.. Se reparamos bem, ao chegamos a um lugar que não conhecemos ― a uma nova terra ou a uma casa onde entramos pela primeira vez ― aprendemos muito só de observar as plantas. São um testemunho do que ali se passou, um espelho do que por ali anda, e acabam por funcionar como a memória daquele lugar.

Só que pensando bem, apesar de serem uma marca do tempo, a adaptação à mudança deve ser muito mais fácil para as plantas do que para nós, porque as plantas não têm memória. Talvez seja esse o seu segredo. Só a ausência de um lugar interior para armazenar recordações, fotografias antigas ou outras lembranças, pode explicar a facilidade com que as plantas respondem imediatamente a qualquer mudança climatérica com a correspondente mutação que lhes vais permitir sobreviver, apesar da modificação das condições em que se baseia a sua subsistência.

Realmente, não ter uma memória deve facilitar imenso a vida às plantas.

Mas a capacidade de mutação das plantas muitas vezes é feita à custa da morte de uma e do aparecimento de uma nova planta, mais aperfeiçoada e adaptada ao meio ambiente. Daí que se possa dizer que cada planta individualmente considerada se limita a ser bela. O que, considerando apenas cada uma em si mesma, também não deixa de ser verdade. Talvez seja por isso agora perceba melhor o que quis dizer Margueritte Yourcenair quando escreveu “os seres imperfeitos agitam-se e acasalam-se para se completarem, mas as coisas só belas são solitárias como a dor humana.”. 

II ― Bom, de facto connosco as coisas passam-se de uma maneira diferente. Nós somos seres imperfeitos. E não somos só belos ― somos muito mais do que isso. Temos memória. E para quem tem memoria a mudança é qualquer coisa de doloroso, e normalmente só estamos dispostos a adaptar-nos à mudança quando tudo o resto falha. Daí que para nós a adaptação seja uma coisa difícil, quase vergonhosa. É como fugir, baixar os braços, revela cobardia. Eu por exemplo acho óptima a capacidade de adaptação das plantas ― e até tenho imensa, apesar de não ser uma planta ― mas adoro a minha memória. 

III ― A memória é o que nos permite amar. Porque, como diz o provérbio, quem ama nunca esquece. É o que nos permite evoluir para uma versão melhorada de nós mesmos, sermos agradecidos, impor-nos a verdade e sobretudo amar sabendo bem o porquê. E saber corresponder na mesma moeda a todos aqueles que, muitas vezes inexplicavelmente, gostam de nós. A memória é o que nos dá a capacidade de luta e o coração é o general que organiza esse exército de recordações no longo e tortuoso caminho até que nos sintamos dignos do amor que recebemos.

Mas não é a memória que nos impede de mudar: é o medo. Para nós humanos, a verdadeira chave da mudança é abrir mão do medo. E temos medo porque ao contrário das plantas, temos escolha. Ao contrário do que acontece com as plantas, nós podemos escolher agarrar as coisas que amamos e não queremos perder. E de assim transformar as memórias, em sonhos.

JAO

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