― Kevin Arnold
I ― Acho as plantas uns seres muito interessantes. Têm uma coisa que muitas vezes não reparamos: uma capacidade impressionante de se adaptarem ao meio ambiente, às condições do clima, ao tipo de solo, à quantidade de luz que recebem, etc.. Se reparamos bem, ao chegamos a um lugar que não conhecemos ― a uma nova terra ou a uma casa onde entramos pela primeira vez ― aprendemos muito só de observar as plantas. São um testemunho do que ali se passou, um espelho do que por ali anda, e acabam por funcionar como a memória daquele lugar.
Só que pensando bem, apesar de serem uma marca do tempo, a adaptação à mudança deve ser muito mais fácil para as plantas do que para nós, porque as plantas não têm memória. Talvez seja esse o seu segredo. Só a ausência de um lugar interior para armazenar recordações, fotografias antigas ou outras lembranças, pode explicar a facilidade com que as plantas respondem imediatamente a qualquer mudança climatérica com a correspondente mutação que lhes vais permitir sobreviver, apesar da modificação das condições em que se baseia a sua subsistência.
Realmente, não ter uma memória deve facilitar imenso a vida às plantas.
II ― Bom, de facto connosco as coisas passam-se de uma maneira diferente. Nós somos seres imperfeitos. E não somos só belos ― somos muito mais do que isso. Temos memória. E para quem tem memoria a mudança é qualquer coisa de doloroso, e normalmente só estamos dispostos a adaptar-nos à mudança quando tudo o resto falha. Daí que para nós a adaptação seja uma coisa difícil, quase vergonhosa. É como fugir, baixar os braços, revela cobardia. Eu por exemplo acho óptima a capacidade de adaptação das plantas ― e até tenho imensa, apesar de não ser uma planta ― mas adoro a minha memória.
III ― A memória é o que nos permite amar. Porque, como diz o provérbio, quem ama nunca esquece. É o que nos permite evoluir para uma versão melhorada de nós mesmos, sermos agradecidos, impor-nos a verdade e sobretudo amar sabendo bem o porquê. E saber corresponder na mesma moeda a todos aqueles que, muitas vezes inexplicavelmente, gostam de nós. A memória é o que nos dá a capacidade de luta e o coração é o general que organiza esse exército de recordações no longo e tortuoso caminho até que nos sintamos dignos do amor que recebemos.
Mas não é a memória que nos impede de mudar: é o medo. Para nós humanos, a verdadeira chave da mudança é abrir mão do medo. E temos medo porque ao contrário das plantas, temos escolha. Ao contrário do que acontece com as plantas, nós podemos escolher agarrar as coisas que amamos e não queremos perder. E de assim transformar as memórias, em sonhos.
JAO
Sem comentários:
Enviar um comentário