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quinta-feira, 3 de novembro de 2011

21. Encontros




Foi preciso chegar aos quarenta anos de idade para te escrever esta carta e reconciliar-me com o facto de te ter virado as costas sem te dar uma palavra sequer, por mais inútil que ela me parecesse. Acho que devia ao menos ter-me despedido de ti, antes de ter ficado fiel depositário deste amor, que permanecerá vivo e desemparelhado, suportando o peso das horas e dos dias, à espera que um dia lhe seja dado uso. Mas há coisas bem piores do que esperar, já que se pensarmos bem, o segredo da infelicidade é querer-se tudo para já.

Só agora vejo, minha querida Inês, que o amor não acaba nunca. Ainda que muitas vezes não o queiramos admitir porque estamos todos marcados uns pelos outros, a verdade é que, quer queiramos quer não, passam os tempos, passam os problemas, passam as pessoas, mas no fim, apenas o amor permanece. Como acontece sempre que, por um acaso qualquer encontramos alguém que outrora foi importante na nossa vida mas que não vemos há muito tempo. São encontros que acabam sempre por ser surpreendentes. Porque ocorrem a maior parte das vezes sem o peso do sem número de escolhos emocionais com que em tempos nos deixámos mutuamente desamparados. Mas também porque durante esses encontros acabamos por dar connosco com o inesperado sabor de nos termos reencontrado com alguém que foi outrora digno do nosso amor incondicional. Umas vezes pelas razões que tornam o outro tão amável aos nossos olhos, outras pela história que juntos tivemos, mas quase sempre por ambas.
E o que acaba por definir as nossas vidas é a maneira como lidamos com a circunstância de que, de facto, o amor nunca acaba. Ou deixamos que o medo acabe por nos encolher, tentando forçar o esquecimento ou porque o amor nos faz sentir uns miseráveis, ou porque nos faz culpar os outros ou porque nos torna mais amargos ou vingativos, ou então, aceitamos que de facto, o amor é um dom que permanece. Porque não é o amor que nos trai, aprisiona ou desilude. São os outros. E é quando percebemos a diferença entre aquilo que nos acontece e o amor que verdadeiramente sentimos, que nos damos conta que o maior desafio que temos e que tantas vezes tantas vezes nos passa despercebido, é o de sabermos a cada momento aproveitar esse amor que no fim de tudo nos resta e nos fica nas mãos, à espera do momento em que lhe voltemos a dar uso.
Para isso, é preciso termos a coragem de não permitir que as dores do mundo nos tornem mais pequenos e nos retirem a coragem para decidirmos o que fazer com o que sentimos. Porque o amor não tem um nome, não tem uma cara, e certamente não tem um culpado. É algo que trazemos dentro e que ou deixamos que nos consuma, ou permitimos que nos anime a partilhar e a construir com os que entretanto continuam à nossa volta. A vida é isso mesmo: a arte de aprender a conviver com o amor através do tempo. O amor que no final de contas é o que nos desafia e ajuda a descobrir a pessoa que fomos feitos para ser. E que nessa medida, se revela como a única coisa verdadeiramente capaz de nos libertar.

Tudo o que aqui te escrevo é o beijo de despedida que sempre senti que te devia, acrescido dos juros das palavras que ficaram por dizer e das que entretanto a vida me deu para te entregar. Tenho muita pena que tudo tenha ficado como ficou. Mesmo noiva de outro, o meu amor por ti merecia bem mais do que aquele cobarde virar de costas de que até hoje não me consegui perdoar. Hoje sei que mesmo quando somos assaltados pela dúvida, nunca devemos deixar de lutar por aqueles que amamos.Mas o que agora importa é este meu beijo que aqui fica, com toda a ternura com que nos recordo.

Se reparares querida Inês, a vida e o céu são extremos opostos que têm algo de fundamental em comum. Uma coisa que todos reconhecemos em ambos e que se quisermos pode tornar irrelevante a distinção entre ambos: o encontro. O céu é o lugar de encontro por excelência, o lugar onde nos prometeram todos os encontros. Onde um dia nos encontraremos com o Criador, uns com os outros, com os que nos antecederam e eventualmente, com todos os que vierem depois de nós. Mas ao contrário do céu, a vida não é um lugar. A vida é um tempo. Um tempo muito limitado, que se quisermos, podemos também transformar em ocasião para muitos e bons encontros. Encontros entre pessoas, entre ombros amigos, entre mãos e braços que se procuram no meio do escuro das lutas do dia-a-dia. A frequência destes encontros e reencontros é a única coisa capaz de fazer com que a transição entre a vida e o céu se torne numa passagem suficientemente suave, natural e indolor para que, com um bocadinho de sorte, nem sequer demos por ela. Como me teria acontecido se imediatamente depois daqueles nossos quatro meses juntos, ao invés do atlântico, tivesse atravessado aquela pequena passagem que me separava de todos os mortos que caminhavam comigo.

Espero de todo o coração que esta carta te encontre feliz e em paz e espero que Deus nos dê o tempo e a coragem para que possamos transformar os dias de vida que ainda nos restam, em tempo de muitos e bons encontros, tanto com quem nos espera, como com aqueles que amamos.
Obrigado pelas memórias que nos tenho, Inês. E perdoa-me por ter demorado tanto tempo a descobrir em mim o homem que sempre mereceste.
Um beijo do respeitosamente teu,

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